segunda-feira, 2 de abril de 2012

Óculos


Um desenho feito com grafite mostra uma armação bonita.
O desenho existe em preto e branco.
A representação dos óculos é detalhada, riscada numa espécie de emoção de terra plantada.
Meus óculos surgiram quando eu tinha quatorze anos.
Astigmatismo e hipermetropia.
O doutor me disse que depois dos trinta iria surgir uma miopia qualquer.
Surgiu como surgem os desenhos, com o tempo, com a maturação e com os elogios prematuros.
Elogiar elege outrem.
Hoje professei sobre a razão de existirmos nesse reduto chamado vida.
Existimos pra fazer alguma coisa além do previsto.
Adoro saber que o previsto é acordarmos, alimentar-mo-nos, reproduzir-mo-nos e irmos dormir de novo.
Adoro - bem mais - imaginar todas as outras possibilidades que vão muito além dessas.
Adoro as que nos aproximam mais de deus, a que nos aprimoram como curiosos e as que nos mandam ver além dos espaços reduzidos das linhas e das entrelinhas.
Adoro remover, revolver, redizer, reanimar as necessidades calóricas das guloseimas invisíveis.
Eu represento o invisível sim e faço dele, tudo o que a minha artimanha pressente.
A minha armação tem moldura escura.
Quando comecei a usá-la as pessoas colocaram reparo, afinal a outra era praticamente invisível.
A armação do desenho é clara e claro é o meu dever saliente que me mascara o rosto, porém luta para não me reduzir a transparência




Desenho de Iana Maciel dos Santos