quarta-feira, 1 de junho de 2011

Signo da escápula


São dezessete horas e treze minutos e só entrarei em aula novamente às dezenove e quarenta e cinco.
Acabei de encontrar-me com o bedel e ele me disse que não quis entrar na minha sala, pois ela estava em silêncio e ele não quis atrapalhar.
Disse-me que não teremos a reunião que acontece todas às quartas nesse horário.
A fala dele coincide com a percepção que tive em todo o andamento das duas aulas que ministrei na sexta série.
Ministério é o termo exato.
Desde o primeiro instante não alterei minha voz.
Houve aqueles que apressaram-se em mostar-me seus desenhos feitos durante a semana, aqueles que disseram olá e os que não gritaram outra coisa.
Minha voz, a mesma, a pausada, densa e suave, solta.
Disse:
Tenho quatro coisas importantes a dizer no início dessa aula.
Quando comecei a dizer a primeira, um aluno começou a falar com o outro e esse com mais outro e esse outro ainda, com mais outro tanto.
A minha voz a mesma, densa, severa, suave, em ritmo de precisão.
Havia aluno que já queria que eu falasse sobre a quarta coisa, porém, compassadamente disse-lhe que havia uma sequência, um mantra, um terço, um atabaque soando em um, dois, três, e assim pati cum tum.
A primeira coisa foi dita, a segunda, a terceira e assim.
Claro que depois de tudo dito, disse ainda mais umas vinte e três vezes a mesma coisa, mas esse é o ofício, a dádiva, a conquista.
Senti-me assim, conquistando, trocando figurinhas difíceis por outras difíceis também, afinal, desde que parei meu automóvel no estacionamento da escola, fui abordado por duas alunas que desejavam sentar-se na frente, assim como tantos que assim já fazem.
Foi o que eu disse:
Puxem suas cadeiras e venham sentar-se conosco, venham todos e todas, venham aninhar-se na conversa e no aprendizado constante.
Assim fizeram, e o bedel de forma sensível, capturou aquilo que eu já estava sentindo no durante.
A hora e meia passou voando.
Um pássaro voa e junta-se a outros, nesse céu bem vindo de um outono friorento.
Asas são declaradas nessas salas onde as vozes soam densas e suaves, severas e quase objetivas.
Objetivo é o ato de comprar dois pincéis para um grupo de seis e pedir a todos que providenciem alguns outros.
Objetivo é o ato de desinteressar-se pelo detalhe e interessar-se mais por aquilo que todo mundo vê.
Vês o voo do vê, quando esse inventa, ventando dentro, a ponto de deslocar-se?
Vês?
Tens na vista das costas, dois corações, ali no alto.
Não fossem as costelas, na vista frontal, seria neles o descansar do perfil.
É assim o pluralismo das letras que trazem no desenho, o signo do seu ventre