quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011


A flor é feliz, porque um dia pode colocar todas as suas coisas interessantes numa caixona de vidro.
O homem estampado na sacola de papel craft fez questão de dar nome e resolveu que a caixona agora é uma vitrine.
Instituiu-se ali um empilhamento de características simples, porém de enorme substancialidade.
Uma sopa refinada de bom gosto.
O homem estampado no copo de vidro está pensando bastante sobre a utilidade intrínseca das coisas que ele produz, estando ainda estampado ali, no copo de vidro cônico, ou cilíndrico.
A certeza que o homem tem é que ele pode promover pequenas rachaduras no seu próprio copo vítreo e deve fazer e permanecer fazendo e dando seus pitacos nas coisas que são plausíveis de serem vistas e revisitadas, pelos olhares ainda desatentos.
Lugar santo esse, que recebe agora ornamentos tão elegantemente organizados pelas coisas aparentemente contrárias, tais como o leve e o pesado, o etéreo e o cheio de massa, o aço e o cetim.
A ligação nunca forjada entre as coisas deve permanecer assim, acontecendo, factuando, quase que obrigando os que têm olhos a verem.
A sentirem o gosto da delícia de saber o que essas coisas são, afinal, a delícia de ser o que se é é deliciosa mesmo.
A santa vem olhando pelo anteparo acrílico e vê uma esfera simbólica, dura, firme, e começou a fitá-la.
Até agora vem rodeando-a com uma fita de cetim roxa, circunferência a circunferência, fitando-a e voltando a fitá-la.
Fita tanto que a fita enfeita.
Enfeita com ainda mais surpresas, aquilo que originalmente já nasceu surpreendente

Esse mundo é uma paisagem com muita informação visual.
Esse lugar irradia o cérebro com cores, formas, linhas e pontos de tensão que conjugam-se entre si, numa teia vibrante a nos energizar a massa cefálica.
Lembro-me que dizem sempre que devemos, em tudo, buscar o equilíbrio.
Eis aí uma situação que foge do nosso controle.
Nessa paisagem, basta sairmos de casa e nos deparamos com uma quantidade brutal de informações visuais, que juntam-se às sonoras, formando uma sinfonia operística que avança sobre nós inteiramente.
Estava no trânsito e parei ao lado de um ônibus vermelho com detalhes em prata e o motorista ficou brincando com o freio a ar, enquanto o chapeiro da lancheria da esquina fritava seus hamburgueres e o martelo de ferro do pedreiro demolia uma paredezinha da reconstrução ao lado do campo de futebol de areia, com dois times de cinco atletas cada, uniformizados, mirassol e barça rosa.
Meu automóvel não tem som.
Não tem som?
Foi só o sinal vermelho tornar-se verde para que o enduro roncasse como fera desgarrada, junto com um tilintar de moedas brincando de sinos, na parte baixa esquerda do chassi, na subida da avenida.
Mistura sonora e imagética, densa e suave, escura e luminosa, real na realeza dos fatos.
Parado em silêncio, tocando-me de leve o peito, deitado sobre o plástico de uma piscina furada, azul e branca, pude ouvir roncado, o som da minha idéia e a pertinência da minha fome